Raimundo Bonfim e Kazuo
Nakano
São
Paulo está na contramão do direito à cidade. Reintegrações de posse e despejos
forçados acontecem em vários bairros. Milhões ainda não moram em habitações
saudáveis, bem construídas, implantadas em locais seguros, com boa oferta de
serviços, equipamentos e infraestruturas de abastecimento de água potável,
coleta e tratamento de lixo e esgotos, fornecimento de energia elétrica,
telecomunicações, transportes públicos, saúde, educação, cultura, lazer, proteção
social, entre outros. Os rios e o ar nunca estiveram tão poluídos. Os
transportes coletivos batem recordes mundiais de superlotação, as ruas e
avenidas ficam travadas com os congestionamentos diários.
São
Paulo vive déficits de democracia e de políticas urbanas e habitacionais. A
participação cidadã e as discussões públicas sobre os rumos da cidade
praticamente desapareceram. O bem estar social na vida cotidiana das pessoas
não é prioridade.
A
iniciativa privada e grupos privilegiados acumulam as melhores terras urbanas
de São Paulo. A desigualdade social na distribuição de terras urbanas adequadas
está na raiz dos principais problemas da cidade. Os setores mais endinheirados se apropriam das
terras caríssimas que se encontram melhor localizadas e bem servidas por
serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas. Os setores populares tem
enorme dificuldade de acessar terras urbanizadas, e por isso são jogadas para
regiões onde a terra é mais barata, mas carente de infraestrutura e distantes das
áreas com oferta de empregos.
Nas
duas últimas décadas o Brasil avançou com a aprovação de legislações inovadoras
como a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade e a Lei Federal do Programa
Minha Casa Minha Vida que incluiu capítulo específico sobre a regularização
fundiária. Avançou com a criação do Ministério das Cidades, do Conselho Nacional
das Cidades e do Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social,
entre outras medidas.
Porém,
o “boom imobiliário” e o aumento na frota de automóveis ocorridos nos últimos
anos eleva o preço de imóveis, agravando a segregação social entre ricos e
pobres, e entope as vias da cidade. Os impactos urbanos e de vizinhança se
acumulam nos bairros de São Paulo onde a ausência total de políticas urbanas e
habitacionais cancela as funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
As
gestões Serra/Kassab praticamente interromperam o processo de planejamento
urbano e deixou a maior parte do Plano Diretor Estratégico no papel. Priorizou
a concessão urbanística e as operações urbanas consorciadas para favorecer a
especulação e os negócios imobiliários em detrimento da melhoria da qualidade
de vida da população e dos grupos mais vulneráveis. As últimas duas gestões
privilegiaram a verticalização descontrolada em bairros onde o estoque de
potencial construtivo já se encontra esgotado, contribuindo para piorar ainda
mais a já precária mobilidade urbana da Cidade.
Os
maiores investimentos daquelas gestões não melhoraram significativamente a vida
das pessoas. A ampliação da Marginal Tietê foi praticamente inócua. A urbanização
e regularização de favelas foram insuficientes. A construção de novas moradias para
as famílias de baixa renda foi irrisória. Ainda há três milhões de paulistanos que
vivem em favelas, cortiços, conjuntos habitacionais. Essa multidão representa um
desafio para a política urbana e habitacional participativa. Não se enfrenta
esse desafio com políticas higienistas que despejam famílias e reprimem dependentes
de drogas, população de rua, ambulantes, entre outros.
São
Paulo precisa distribuir terras urbanas para que todos tenham boas condições de
moradia e usufruam dos benefícios da vida urbana. As terras urbanas são riquezas
sociais valiosas, fruto de grandes investimentos públicos e privados feitos por
toda a sociedade. Nada mais justo que todos tenham acesso a essas riquezas
materializadas em territórios urbanos saudáveis. Só assim, exerceremos na
plenitude o direito á cidade de São Paulo.
Raimundo Bonfim,
advogado, é coordenador geral da Central de Movimentos Populares (CMP/SP) e
Assessor de Habitação da Bancada do PT na Assembleia Legislativa do Estado de
São Paulo.
Kazuo Nakano,
Arquiteto urbanista e doutorando em demografia na UNICAMP.