quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Direito à Cidade de São Paulo


Raimundo Bonfim e Kazuo Nakano

São Paulo está na contramão do direito à cidade. Reintegrações de posse e despejos forçados acontecem em vários bairros. Milhões ainda não moram em habitações saudáveis, bem construídas, implantadas em locais seguros, com boa oferta de serviços, equipamentos e infraestruturas de abastecimento de água potável, coleta e tratamento de lixo e esgotos, fornecimento de energia elétrica, telecomunicações, transportes públicos, saúde, educação, cultura, lazer, proteção social, entre outros. Os rios e o ar nunca estiveram tão poluídos. Os transportes coletivos batem recordes mundiais de superlotação, as ruas e avenidas ficam travadas com os congestionamentos diários.
São Paulo vive déficits de democracia e de políticas urbanas e habitacionais. A participação cidadã e as discussões públicas sobre os rumos da cidade praticamente desapareceram. O bem estar social na vida cotidiana das pessoas não é prioridade.
A iniciativa privada e grupos privilegiados acumulam as melhores terras urbanas de São Paulo. A desigualdade social na distribuição de terras urbanas adequadas está na raiz dos principais problemas da cidade.  Os setores mais endinheirados se apropriam das terras caríssimas que se encontram melhor localizadas e bem servidas por serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas. Os setores populares tem enorme dificuldade de acessar terras urbanizadas, e por isso são jogadas para regiões onde a terra é mais barata, mas carente de infraestrutura e distantes das áreas com oferta de empregos.
Nas duas últimas décadas o Brasil avançou com a aprovação de legislações inovadoras como a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade e a Lei Federal do Programa Minha Casa Minha Vida que incluiu capítulo específico sobre a regularização fundiária. Avançou com a criação do Ministério das Cidades, do Conselho Nacional das Cidades e do Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, entre outras medidas.
Porém, o “boom imobiliário” e o aumento na frota de automóveis ocorridos nos últimos anos eleva o preço de imóveis, agravando a segregação social entre ricos e pobres, e entope as vias da cidade. Os impactos urbanos e de vizinhança se acumulam nos bairros de São Paulo onde a ausência total de políticas urbanas e habitacionais cancela as funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
As gestões Serra/Kassab praticamente interromperam o processo de planejamento urbano e deixou a maior parte do Plano Diretor Estratégico no papel. Priorizou a concessão urbanística e as operações urbanas consorciadas para favorecer a especulação e os negócios imobiliários em detrimento da melhoria da qualidade de vida da população e dos grupos mais vulneráveis. As últimas duas gestões privilegiaram a verticalização descontrolada em bairros onde o estoque de potencial construtivo já se encontra esgotado, contribuindo para piorar ainda mais a já precária mobilidade urbana da Cidade. 
Os maiores investimentos daquelas gestões não melhoraram significativamente a vida das pessoas. A ampliação da Marginal Tietê foi praticamente inócua. A urbanização e regularização de favelas foram insuficientes. A construção de novas moradias para as famílias de baixa renda foi irrisória. Ainda há três milhões de paulistanos que vivem em favelas, cortiços, conjuntos habitacionais. Essa multidão representa um desafio para a política urbana e habitacional participativa. Não se enfrenta esse desafio com políticas higienistas que despejam famílias e reprimem dependentes de drogas, população de rua, ambulantes, entre outros.
São Paulo precisa distribuir terras urbanas para que todos tenham boas condições de moradia e usufruam dos benefícios da vida urbana. As terras urbanas são riquezas sociais valiosas, fruto de grandes investimentos públicos e privados feitos por toda a sociedade. Nada mais justo que todos tenham acesso a essas riquezas materializadas em territórios urbanos saudáveis. Só assim, exerceremos na plenitude o direito á cidade de São Paulo.

Raimundo Bonfim, advogado, é coordenador geral da Central de Movimentos Populares (CMP/SP) e Assessor de Habitação da Bancada do PT na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Kazuo Nakano, Arquiteto urbanista e doutorando em demografia na UNICAMP.

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